Sauna de Malmo - O dia que fiquei pelada na Suécia

Sauna de Malmo: o dia que fiquei pelada na Suécia

Liberdade é um conceito que depende muito do ponto de vista, e a experiencia que tive na sauna de Malmo abriu muito a mente sobre o significado de liberdade. Para um ladrão por exemplo, ter liberdade é não estar na cadeia. Os escravos achavam que significava receber pelo seu trabalho. Na ditadura a ideia de ser livre estava ligada a liberdade de expressão, mais precisamente a possibilidade de discordar do governo e não ser julgado por isso.

 

Eu só fui entender verdadeiramente o conceito de liberdade o dia que eu pulei pelada nas águas congelantes do mar da Suécia depois de sair queimando de dentro da sauna de Malmo. Parece uma coisa meio louca, alternativa, idiota, talvez até sem sentido. Mas para os suecos relaxar na sauna e depois pular pelado em águas congeladas é um hábito comum. Bem parecido com o hábito que temos de ir ao clube nos domingos, beber cerveja e tomar sol. Viajei para a Suécia empolgadíssima com essa história da sauna. Fiz propaganda para todo mundo que ia viajar comigo. Isso inclui a Bruna, que vocês já conhecem como a outra metade do blog, minha super amiga Carolina Mazzini e o Marcelo, um outro colega nosso que também foi junto.

 

Falei até babar sobre os benefícios da sauna sueca e de como a variação de temperatura seria relaxante. Contei para todo mundo que a sauna de Malmo era de frente para o mar. Falei que as pessoas pulavam no mar gelado depois de ficar dentro de um ambiente que podia chegar a até 100ºC. Fiz uma propaganda tão grande que todo mundo levou biquínis, inclusive eu.

Sauna de Malmo - O dia que fiquei pelada na Suécia

Sauna de Malmo: como tudo começou

Mas toda boa história tem um começo. Esse trem de pular pelado não estava nos planos, não passou pela minha cabeça a forma que os suecos frequentavam a sauna. Tudo começou quando uma prima querida casou-se e mudou para Malmö muitos anos atrás. Quando conversávamos ela me contava como era a vida na Suécia e como as coisas e a mentalidade das pessoas eram diferentes por lá. No inverno ela tinha ido a sauna pela primeira vez. Contou-me que depois de sair da sauna quente ela tinha pulado no mar congelado. Eu fui a loucura porque adoro coisas diferentes. Salvei essa conversa na memória e incluí minha na lista de coisas para fazer antes de morrer. Não lembro dela ter mencionado que os suecos frequentavam a sauna pelados. Ou ela não mencionou esse detalhe ou bloquei essa informação. Segui com a minha vida. 

 

Em setembro de 2015 passei duas semanas de férias na Suécia. Lógico que um dia na sauna de Malmo estava no meu roteiro na Suécia .Chegou todos turma preparada com suas roupas de banho na mala. O choque veio quando contei que tínhamos trago biquíni para sauna.  Depois de rir horrores da minha cara minha prima explicou que os suecos iam pelados mesmo e que não era permitido entrar de roupa de banho. Como eu saberia disso né?

 

A boca caiu, o coração palpitou, pensei na depilação que eu não tinha feito, nas minhas gordurinhas fora do lugar e o meu choque só não foi maior que o das minhas companhias. Claramente elas não curtiram a ideia. Se não fosse minha prima teriam até desistido. Confesso que também não curti muito, mas como sou guerreira, meu sobrenome é coragem eu não desisto fácil. Claro que eu não deixaria de ir a sauna de Malmo apenas por esse “pequeno” detalhe.

 

Depois de processada a informação e com alguma relutância juntamos as toalhas. Arrumamos nossas bolsas com shampoo, cremes e demais apetrechos para tomar banho depois e partimos para a sauna de Malmo. Imagina essa cena: três mulheres com olhar de cachorro assustado ao escutar fogos de artifício, o Marcelo sem entender nada e os donos da casa rachando de rir dos quatro alecrim dourados que não queriam ficar pelados.

Como foi nossa experiencia dentro da sauna de malmo

Chegando lá nós mulheres fomos para a ala feminina. O Marcelo foi com o Mikael (um polonês que não fala português) para o lado masculino. Na verdade, não só masculino. Eles foram para o lado “normal” usado por ambos os sexos. Toda a sauna era assim antes. Não havia separação entre os sexos e eles conviveram dessa forma durante muito tempo sem problemas. Como Adão e Eva segundo a bíblia.

 

A separação de uma ala exclusiva para as mulheres, me contaram, foi criada depois para atender aos imigrantes que vieram para Malmo. Principalmente o povo de origem muçulmana. Por razões óbvias a mulheres não podiam frequentar a sauna e então foi feita essa divisão. Temos muito a aprender com os suecos, a visão de mundo deles e a tolerância as diversidades me impressionaram.

 

Mas voltando ao caso, o Marcelo além de não falar polonês também não falava inglês. O vocabulário dele era do tipo “the book is on the table”. A conversa entre ele e o Mikael era praticamente na base da mímica, mas ele insistia em tentar se comunicar através de uma língua não identificada que ele jurava ser espanhol. Nós mulheres entramos na sauna e sentamos nossa bunda pelada no paninho descartável que nos deram na entrada. Lá dentro encontramos um silêncio ensurdecedor e um tanto de mulher sem depilação.

 

Não demorou muito e o silêncio foi quebrado porque quatro brasileiras juntas e peladas na Escandinávia não aguentariam ficar caladas muito tempo. A conversa rolava solta, gargalhadas aqui, gargalhadas ali e algumas suecas se retiraram do recinto. Não sei se foi mera coincidência; ou se foram minhas risadas nada discretas; ou se foi nossa mania de falar todo mundo junto que espantou as pessoas. Continuamos nosso bate papo empolgado e a cada cinco minutos saíamos para pular nas águas geladas do mar sueco. Para os mais fracos os chuveiros poderiam ser usados.

A localização da Sauna era perfeita, ficava de frente para o mar numa espécie de pier. Todas as saunas tinham janelas enormes com vista para o mar e lá de dentro eu podia ver aquele famoso prédio o Turning Torso.

Fotos da sauna de Malmo

Na porta tinha um aviso alertando que não era recomendado ficar dentro da sauna por mais de cinco minutos. A sauna era seca, não tinha vapor e a temperatura na porta informava 100 ºC. Estávamos todas rachando de rir, imaginando os homens do outro lado totalmente nus e fazendo mímica para conversar.

 

Depois de algum tempo começamos a ficar mais a vontade com a falta de roupas. Eu já estava praticamente tirando onda de sueca. Carol estava sentada de costas para a porta  fazendo uma pose filosofal do tipo “penso logo existo”. Estávamos todas conversando descontraidamente quando um funcionário do sexo masculino adentrou no recinto. Ele entrou para trocar o carvão, andou como se fosse a coisa mais normal no mundo. Como se ele não estivesse vendo mulheres peladas dentro do ambiente.

 

Na hora que ele abriu a porta, Bruna e eu vimos e mantivemos a compostura. Minha prima já estava acostumada, então não conta. Mas a Carol só percebeu o homem dentro da sauna quando ele já tinha atravessado todo o ambiente e já estava mexendo no carvão. A reação dela foi maravilhosa De boca aberta, ela não sabia se tentava tampar as partes íntimas de cima, as de baixo ou se perguntava para gente o que estava acontecendo. Claramente ela não estava conseguindo processar a situação, que tinha um estranho homem nos vendo peladas. O homem em sua plenitude continuou fazendo o trabalho dele e saiu sem esbanjar qualquer reação. Nem ao menos demonstrou que tinha notado qualquer uma de nós. 

Nessa hora eu invejei as mulheres suecas, achei muito libertador a sensação de poder ficar pelada assim sem ser ridicularizada ou cobiçada.

Não ficamos lá muito mais que uma hora, mas achei uma experiência fantástica. Primeiro porque a mudança de temperatura brusca foi de fato muito relaxante e fui embora mais leve. Segundo porque finalmente me senti livre. Ali, pulando pelada naquele mar gelado me vi livre de preconceitos que eu antes nem sabia que tinha. A meta agora é reunir coragem para voltar e usar a sauna mista!

o que a experiencia na sauna me ensinou sobre liberdade feminina

As mulheres não precisam ser magras, loiras e ter os homens babando a seus pés. Não precisam viver reféns da opinião alheia e adequar suas vontades ao padrão que a sociedade julga ser o certo. Nem precisam se esconder na tentativa de fazer um relacionamento dar certo. As mulheres só precisam ser felizes com suas escolhas, com seu próprio corpo e fiéis as suas convicções. Na verdade não só as mulheres, todo mundo.

 

Morena ou loira; com bunda grande ou pequena; solteira ou casada; periguete ou recatada o importante é ser você mesmo. Um homem deve nos amar pelo que somos, e vice versa. As diferenças sempre vão existir mas elas devem ser negociadas, trabalhadas e não jogadas para debaixo do tapete na tentativa de fazer o outro feliz.

Liberdade feminina e relacionamentos

Amar dá trabalho porque a constante conciliação de vontades e pensamentos é difícil. Mais difícil ainda é saber diferenciar o que realmente queremos ser do que a sociedade nos impõe para sermos. Enfim, cada pessoa tem seu significado próprio do que entende por liberdade. Penso que isso também depende da criação, do contexto e de uma série de outros fatores. Para mim, depois da experiencia que vivi na sauna de Malmo, liberdade é ser eu mesmo. É poder andar pelada sem sentir vergonha, sem sentir medo e principalmente sem ser julgada.

 

A conclusão que chego é que ainda temos muito a aprender para chegar nesse nível de evolução do espírito. Mas como sonhar todo mundo pode eu sigo sonhando com um mundo menos machista, onde homens e mulheres pelados dentro de uma mesma sauna seja algo banal.

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Fernanda Bragatto

Mentaliza uma manteiga derretida que tem um pânico irracional por taruiras. Ama viajar, comprar sapatos e escrever. Um belo dia resolveu criar um blog pra compartilhar seu ponto de vista e escrever sobre os lugares mais incríveis que já conheceu.
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Bruna e Nanda Bragatto

Somos duas irmãs completamente diferentes que possuímos em comum o desejo de viajar e compartilhamos nosso amor pelo mundo aqui no blog com dicas de viagem e outras coisinhas mais. Saiba mais sobre a gente!